Seis maravilhas do Norte: três paisagens e três monumentos
Três paisagens de cortar a respiração e três monumentos a não perder no Norte de Portugal. Tem plano para o fim-de-semana?
Os antigos achavam que o mundo acabava para além do horizonte e o mar se despenhava num abismo insondável.
Hoje muitos portugueses ainda continuam a achar que não há locais para ir de férias para além do Algarve.
Nada mais errado.
Basta olharmos para o Norte de Portugal, de Trancoso a Vila Real e do Gerês à Serra d’Arga: três paisagens e três monumentos de tirar a respiração.
1.- Ponte de Ucanha
Pode parecer, mas as portagens não são uma intervenção deste Governo.
Eram algo inerente ao universo medieval, retalhado entre múltiplos domínios senhoriais, uns da nobreza (honras), outros das ordens religiosas (coutos).
Um dos exemplos maiores de ponte-fortaleza controlava a entrada do couto dos monges cistercienses de Salzedas.
Fica na aldeia da Ucanha (Tarouca), terra natal do pai da etnografia portuguesa, Leite de Vasconcelos, 50 km a norte de Viseu.
A imponente ponte de pedra transpõe através de um grande arco o rio Varosa (afluente da margem norte do Douro).
Na margem direita o tabuleiro passa sob uma imponente torre, donde homens armados poderiam controlar a estrada de Lamego para Sernancelhe.
Feita no séc. XII, a obra mantém-se em perfeitas condições de conservação.
Vale a pena subir ao terraço e contemplar as várzeas do Varosa e, ao longe, para oeste, a serra das Meadas.
Neste domínio monacal todos pagavam portagem para atravessar a ponte.
Menos os peregrinos que se dirigiam a Santiago de Compostela.
Moral da história: o apregoado princípio do utilizador-pagador sempre teve exceções…
2.- Fisgas de Ermelo
São a ilustração prática do velho ditado segundo o qual agia mole em pedra dura tanto dá até que fura.
Neste caso, os granitos do planalto de Lamas d’Olo são mais resistentes à erosão do que os quartitos de Ermelo, o rio Olo, ao passar de uma zona para a outra, escavou um desnível de duas centenas de metros ao longo do qual as suas águas se despenham em fúria.
É um espetáculo natural que tanto vale a pena ver de inverno como de verão.
Quando chove muito porque a cascata engrossa e forma uma gigantesca pluma.
Durante os meses quentes há sempre um fio de água a deslizar lajes abaixo e a montante da queda há um conjunto de lagoas onde se pode tomar um dos melhores banhos da região.
Chega-se aqui a partir de Mondim de Basto pela EN304 (Mondim – Campeã – Vila Real), virando na ponte sobre o rio Olo e seguindo as indicações rodoviárias bem visíveis.
Também existe uma estrada florestal paralela, ideal para fazer de jipe, de bicicleta ou, porque não, a pé.
3.- Senhora do Viso
Só dois tipos de pessoas conhecem esta capela, entre Celorico de Basto e Fafe: quem lá mora e quem ia ver o Rali de Portugal nos velhos tempos.
Um dos mais apreciados troços, o Viso, passava justamente por aqui.
Milhares de pessoas enchiam, quer o adro da capela que formava uma espécie de varanda, quer as bermas do estradão por onde os concorrentes apareciam vindos de norte.
Agora, com o rali (irremediavelmente?) deslocado para o extremo sul do país, resta vir aqui, seja para assistir à romaria (primeiro domingo após 8 de Setembro) seja para ver a vista, que vale bem a pena.
Para leste a vista é irremediavelmente atraída pela elevação cónica da Senhora da Graça (altitude 1000 m), na margem esquerda do Tâmega, enquanto para norte se divisam as alturas da serra da Cabreira.
Nem todos os que aqui chegam vêm com as melhores intenções.
É o que se depreende de uma inscrição junto à cabeceira exterior da capela e que reza o seguinte: “Não vale a pena arrebentarem a porta porque a caixa das esmolas está vazia…”.
Melhor, só o aviso pintado na Senhora do Socorro, a sul de Torres Vedras: “Animais para benzer, juntem-nos aqui…”
4.- S. Bento da Porta Aberta
É o outro lado do Gerês.
Não as fragas agrestes da Calcedónia de que Miguel Torga tanto gostava, mas uma paisagem mais suave, feita de encostas arborizadas que descem até às águas da albufeira da Caniçada.
A melhor forma de contemplar e viver tudo isto é percorrer o estradão que parte das proximidades de São Bento da Porta Aberta e serpenteia encosta acima, na direção do vizinho Santuário de Nossa Senhora da Abadia.
É, cada curva, cada deslumbramento.
Vai-se vendo cava vez mais água e mata, ao mesmo tempo que, para norte, se começa a ver a Portela de Leonte, por onde passa a milenar estrada para a fronteira da Portela do Homem.
Consoante o modo de transporte, há duas possibilidades.
De veículo motorizado (de preferência alto e com tração integral), pelo estradão principal que sobre até entroncar na estrada municipal que desce de Santa Isabel do Monte para Nossa Senhora da Abadia.
Para quem se desloque a pé, como, durante séculos, fizeram os peregrinos para Santiago de Compostela ou para a romaria de São Bento, há um trilho devidamente marcado pelo meio do bosque.
É só escolher.
5.- Mosteiro de Tibães
Há quem vá a Braga ver o Bom Jesus do Monte, a milenar Sé… ou o notável estádio de futebol desenhado por Souto de Moura.
Muito menos vão aos arredores da cidade (6 km, em direção a Ponte de Lima) ver o mosteiro de Tibães e a verdade é que ficam a perder por não o fazerem.
Tibães ilustra com a sua história agitada as grandezas e misérias do património religioso em Portugal.
Foi casa-mãe dos monges beneditinos, esteve ao abandono após a extinção das ordens religiosas em 1834, foi exemplarmente recuperado e, agora, em tempo de paranoia restritiva, começa a precisar de novo investimento que, quanto mais tardar, maior terá que ser.
O restauro, iniciado a partir de 1986, salvou boa parte dos extraordinários painéis de azulejos setecentistas, a igreja e seu recheio e parte dos claustros.
A visita, com diferentes circuitos, bem merece uma manhã ou uma tarde.
Curiosidades a não perder, os livros onde os monges registavam os impostos recebidos em géneros dos camponeses, bem como as medidas usadas para calcular a quantidade de cereal entregue.
E tudo isto esteve para ser queimado pelo povo de Braga que, em maio de 1809, obrigou os monges a entregar o coronel Vilas Boas, o único sobrevivente do estado-maior do general Bernardim Freire de Andrade, massacrado às portas da cidade por achar, e com razão, que não havia ali condições para dar batalha aos franceses de Soult.
6.- São João d’Arga
Se não puder ir a mais lado nenhum e andar pelo Minho vá na direção de Paredes de Coura e suba ao Mosteiro de São João d’Arga.
A 24 de Junho e a 28 e 29 de Agosto há aqui uma imensa romaria.
Não lhes tirando o mérito, melhor será vir aqui num dia tranquilo e sentar-se na varanda dos quartéis dos romeiros a contemplar a serra, enquanto ouve o vento a sussurrar no meio das árvores e, ao longe, o tinir dos chocalhos dos rebanhos.
In Única/Expresso – 19/11/2011 | Textos: Ricardo Cardoso – Fotos: Clube escape Livre, António Pedro Ferreira, Pedro Magalhães